★★★ A TRADIÇÃO DE FINADOS EM CATALÃO
(Por Luís Estevam)
Durante um tempo, o Dia de Finados era celebrado com tristes melodias em
Catalão. A banda de música se colocava na entrada do cemitério municipal, logo
de manhã, executando dobrados e marchas fúnebres, enquanto a população visitava
os túmulos dos entes queridos ao longo do dia.
Esse ritual surgiu na década de 1930 e perdurou por quase vinte anos.
Era uma ocasião solene, em que as pessoas conversavam sobre o passado, enfeitavam jazigos, túmulos e
covas rasas, acendendo velas e orando pela alma dos falecidos. Tudo ao ritmo
contagiante das melodias fúnebres executadas pela banda de música.
O Dia de Finados era resguardado com profundo respeito. Não era feriado, mas algumas lojas,
bares e armazéns fechavam as portas. As pessoas evitavam palavrões, gargalhadas,
o rádio era ligado baixinho e o dia transcorria lentamente ao som dos
melancólicos dobrados. Nessa data, a comunidade prestava um sincero tributo aos
antepassados indicando que, em Catalão, os mortos continuavam a governar os
vivos.
O velório e o funeral eram muito importantes na sociedade tradicional.
Inclusive, havia o costume de fotografar o morto no caixão, registros que
muitas famílias guardavam para recordação posterior. Um velho costume que foi
sendo relegado, com o tempo, e as fotos retiradas dos álbuns familiares.
Vigorou a idéia de que seria melhor lembrar da pessoa viva do que no caixão.
Na zona rural de Catalão existiam vários cemitérios onde o Dia de
Finados também era piedosamente celebrado. Especialmente em Santo Antônio do
Rio Verde, Pires Belo, Coqueiros, Barra, Mata Preta, Olhos D'água e Pedra
Branca. Além do que, existiram terrenos privativos de sepultamento, em antigas fazendas, que
foram abandonados e perdidos no tempo. Mas, que tiveram sua importância numa
época em que grande parcela dos habitantes morava na roça.
Na zona urbana de Catalão foram poucos os locais de sepultamento.
Existia, desde o século XIX, o cemitério dos anjos, no alto do morro, onde
enterravam crianças falecidas antes dos sete anos de idade. Era uma área cheia de pedras, de difícil acesso, mas
bastante reverenciada pelos moradores. A primeira grande cruz foi erguida pela
família de uma menina que sofrera catalepsia. Sob o temor de te-la sepultado
ainda com vida, ergueram o cruzeiro em sua cova. Anos depois, um padre
agostiniano, relembrando o calvário de Cristo, levantou mais duas cruzes e o
lugar ficou conhecido como Morro das Três Cruzes.
Perto dali, no sopé do morro, existiu um antigo cemitério, cercado de
muros baixos, que acabou superlotado na década de 1920. Era o terreno designado
para sepultamentos na cidade, onde hoje se encontra a Praça Duque de Caxias. Os
velhos coronéis de Catalão tiveram ali sua última morada. Como o senador
Antônio Paranhos, assassinado e enterrado, sem pompa, numa madrugada chuvosa no
início de dezembro, sob cerrado tiroteio contra seus familiares. Um dos
algozes, capitão Carlos de Andrade, capturado e executado dois meses depois,
foi sepultado do lado de fora dos muros daquele cemitério por ordens da família
Paranhos. Interessante que o lugar foi abandonado, por décadas, se
transformando em um terreno baldio. Somente depois recebeu as instalações do
Tiro de Guerra e posteriormente virou praça pública.
No início da década de 1930 ficou demarcado e cercado um terreno para
novo cemitério municipal, acima da cadeia pública. Os ânimos violentos ainda
não haviam se acalmado em Catalão. Tanto que, o primeiro a ser enterrado, no
local, foi um jagunço morto em entrevero pessoal. Ganhou uma cova rasa, aberta
no lado esquerdo do portão principal.
Ali também foi sepultado o farmacêutico Antero, em 1936, depois de ser
barbaramente arrastado pelas ruas do bairro da Grota. Ele fora acusado de
mandante na execução de um fazendeiro respeitado e querido na região. Não houve
inquérito conclusivo, mas grande parte dos moradores considerou Antero inocente
da acusação, sem dúvida, pelo brutal martírio que havia sofrido. O seu túmulo
continua sendo bastante visitado, há 85 anos, a ponto de se tornar um atrativo
e memorial daquele cemitério.
Em 1980, o cemitério municipal também chegou a seu limite. As famílias
importantes foram construindo jazigos e o terreno ficou inteiramente ocupado.
Foi quando houve uma tentativa de alargar o perímetro em direção a casas
vizinhas. Mas, a reação foi imediata. A prefeitura levantava novos muros que os
moradores destruíam durante a noite. Não deu certo. Os muros retornaram ao
traçado anterior e a rua ficou conhecida e batizada como Rua da Resistência.
Em 1983 foi doado um terreno para construção de um novo cemitério que levou
o nome de Memorial Jardim São Pedro. Sua administração foi entregue a Sociedade
São Vicente de Paulo e hoje é o espaço de sepultamentos na zona urbana de
Catalão.
No Brasil, o Dia de Finados somente foi considerado feriado nacional a
partir de lei aprovada em 2002. Mas, há séculos que as comunidades interioranas
resguardam a data alusiva ao Dia dos Mortos.
Atualmente, em Catalão, não existem mais os graves dobrados da banda de música, tampouco a romaria que se formava em cemitérios no Dia de Finados. No entanto, a visitação aos antepassados revela que, no fundo, os mortos ainda continuam governando os vivos. (Luís Estevam)
Fonte: Luís Estevam
Esta matéria é em oferecimento de:
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